Investigadores da experiência OPERA no laboratório do INFI de Gran Sasso, Itália, anunciaram em 31 de Maio passado a primeira observação directa de uma partícula tau num feixe de neutrinos do muão que foi enviado através da Terra a partir do CERN, a 730 km do laboratório.
Investigadores da experiência OPERA no laboratório do INFI[1] de Gran Sasso, Itália, anunciaram em 31 de Maio passado a primeira observação directa de uma partícula tau num feixe de neutrinos do muão que foi enviado através da Terra a partir do CERN[2], a 730 km do laboratório. Este resultado é muito significativo, pois fornece a peça que faltava num enigma que tem desafiado o mundo científico desde a década de 1960. Além disso, fornece pistas muito interessantes sobre a física que está por descobrir.
O enigma dos neutrinos surgiu na década de 1960, com uma experiência pioneira, que acabou por ganhar o prémio Nobel, levada a cabo pelo cientista americano Ray Davies. Este observou que os neutrinos que chegavam à Terra vindos do Sol eram muito menos do que os modelos solares previam: ou os modelos solares estavam errados, ou algo estava a acontecer aos neutrinos pelo caminho. Uma solução possível foi descoberta em 1969 pelos físicos teóricos Bruno Pontecorvo e Vladimir Gribov, os primeiros a sugerir que variações camaleónicas entre tipos diferentes de neutrinos poderiam ser responsáveis pelo défice aparente de neutrinos.
Várias experiências posteriores registaram o desaparecimento de neutrinos do muão, mas até agora não tinha havido nenhuma observação do aparecimento de um neutrino do tau num feixe puro de neutrinos do muão. Esta é a primeira vez em que o neutrino-camaleão foi detectado quando está a passar de neutrino do muão para neutrino do tau.
António Ereditato, porta-voz da colaboração OPERA, descreveu este desenvolvimento como “um resultado importante que recompensa toda a equipa OPERA pelos anos de entrega e que confirma que fizemos boas escolhas experimentais. Estamos confiantes de que a este primeiro resultado positivo se seguirão outros que demonstrarão completamente o aparecimento das oscilações de neutrinos”.
”A experiência OPERA atingiu o seu primeiro objectivo: a detecção de um neutrino do tau resultante da transformação de um neutrino do muão, que aconteceu durante o trajecto de Genebra até ao Laboratório de Gan Sasso”, acrescentou Lúcia Votano, Directora dos laboratórios de Gran Sasso. “Este resultado importante surge após uma década de trabalho intenso levado a cabo pela Colaboração, com o apoio do Laboratório, e confirma novamente que que o LNGS é um laboratório de vanguarda na Astrofísica de partículas”.
O resultado da experiência OPERA foi obtido após sete anos de preparação e mais de três anos de feixe fornecido pelo CERN. Durante este período, biliões de biliões de neutrinos do muão foram emitidos do CERN até Gran Sasso, demorando apenas 2.4 milissegundos a percorrer o trajecto. A raridade das oscilações do neutrino, juntamente com o facto de os neutrinos terem uma interacção muito fraca com a matéria, leva a que esta experiência tenha de ser realizada com grande subtileza. O feixe de neutrinos do CERN foi ligado em 2006, e desde então os investigadores da experiência OPERA têm estudado pormenorizadamente os seus dados para obter indícios do aparecimento de partículas tau, que permitem concluir que um neutrino do muão oscilou para neutrino do tau. Este tipo de paciência é uma virtude na investigação em física de partículas, como explicou o presidente do INFN, Roberto Petronzio:
“Este sucesso deve-se à tenacidade e inventiva dos físicos da comunidade internacional, que conceberam um feixe de partículas especialmente para esta experiência”, afirmou Petronzio. “Deste modo, o design original de Gran Sasso foi coroado de sucesso. De facto, quando os laboratórios foram construídos, foram orientados de modo a poderem receber feixes de partículas do CERN”.
No CERN, os neutrinos são gerados fazendo colidir um feixe acelerado de protões com um alvo. Quando os protões atingem o alvo, são produzidas partículas chamadas piões e kaões. Estas decaem rapidamente, dando origem a neutrinos. Ao contrário das partículas com carga, os neutrinos não são sensíveis aos campos electromagnéticos que os físicos costumam usar para alterar as trajectórias dos feixes de partículas. Os neutrinos podem atravessar a matéria sem interagir com esta, mantendo a mesma direcção de movimento desde a sua criação. Assim sendo, a partir do momento em que foram produzidos mantêm uma trajectória rectilínea, atravessando a crosta terrestre. Por este motivo, é extremamente importante que o feixe aponte exactamente para o laboratório de Gran Sasso desde o princípio.
“Este é um passo muito importante para a física de neutrinos”, afirmou o Director Geral do CERN, Rolf Heuer. “Parabéns à experiência OPERA e aos Laboratórios de Gran Sasso, bem como aos departamentos de acelerador no CERN. Todos nós desejamos ver revelada a nova física que este resultado indicia”.
Além de fechar um capítulo na compreensão da natureza dos neutrinos, a observação de oscilações de neutrinos indicia fortemente uma nova física. Na teoria que os físicos usam para explicar o comportamento das partículas fundamentais, chamada Modelo Padrão, os neutrinos não têm massa. Contudo, para os neutrinos serem capazes de oscilar é necessário que tenham massa: haverá algo que falta ao Modelo Padrão. Apesar do seu sucesso ao descrever as partículas que constituem o Universo visível e ao descrever as suas interacções, há muito tempo que os físicos sabem que existe muito que o Modelo Padrão não consegue explicar. Uma das possibilidades é que existam outros tipos de neutrinos que até agora ainda não tenham sido observados, e que possam estar relacionados com a matéria escura, que segundo se dupõe constitui cerca de um quarto da massa do Universo.
[1] O Instituto Nacional de Física Nuclear de Itália, INFN (Istituto Nazionale di Fisica Nucleare), apoia, coordena e leva a cabo investigação científica em física subnuclear, nuclear e astrofísica de partículas, e está envolvido no desenvolvimento de tecnologias relacionadas. O intituto trabalha em conjunção com universidades e participa no debate internacional, bem como em programas de cooperação. O Instituto foi estabelecido por físicos em Milão, Pádua, Roma e Turim em 8 de Agosto de 1951, com o objectivo de prosseguir e ampliar a investigação que a equipa de investigadores de Enrico Fermi começara na década de 1930. Ao longo de mais de 50 anos, o INFN foi-se expandindo gradualmente, incluindo hoje em dia trinta secções autónomas, quatro laboratórios nacionais e um centro de processamentos de dados. Além disso, a zona em redor de Pisa hospeda o observatório gravitacional EGO, desenvolvido conjuntamente pelo INFN e pelo centro de investigação nacional de França. Cerca de 5000 pessoas colaboram com o Instituto, 2000 das quais empregadas directamente pelo Instituto, outras 2000 das quais pessoal da Universidade, e mais de mil das quais estudantes e bolseiros.
[2] O CERN, Organização Europeia para a Investigação Nuclear, é o laboratório que lidera a investigação em física de partículas a nível mundial. Localiza-se em Genebra. Os seus Estados Membros são actualmente a Áustria, a Bélgica, a Bulgária, a República Checa, a Dinamarca, a Finlândia, a França, a Alemanha, a Grécia, a Hungria, a Itália, a Holanda, a Noruega, a Polónia, Portugal, a Eslováquia, Espanha, a Suécia, a Suíça e o Reino Unido. A Índia, Israel, o Japão, a Federação Russa, os Estados Unidos da América, a Turquia, a Comissão Europeia e a UNESCO têm estatuto de observadores.