O protão afinal é mais pequeno!

Joaquim Santos
Centro de Instrumentação – Departamento de Física da Universidade de
Coimbra, Grupo de Instrumentação Atómica e Nuclear, Rua Larga, 3004
516 Coimbra
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Uma equipa internacional de investigadores (https://muhy. web.psi.ch/wiki/), da qual faz parte um grupo de investigadores portugueses das universidades de Coimbra e Aveiro, verificou que o protão é, afinal, mais pequeno do que o assumido até agora pela comunidade científica. Este resultado surpreendente foi obtido numa experiência com um nível de precisão sem precedentes e foi publicado em Julho passado na prestigiada revista Nature [1], tendo sido escolhido para capa da referida revista.

O protão, um dos constituintes básicos de toda a matéria, é, na realidade, mais pequeno do que se pensava. O valor obtido nesta experiência para o raio do protão é dez vezes mais preciso mas, surpreendentemente, 4% menor do que o valor assumido até agora. As consequências desta discrepância estão ainda por esclarecer, não se sabendo actualmente qual o alcance das suas implicações na Física, podendo, no limite, vir a questionar a validade de uma das teorias fundamentais mais sólidas ou fazer alterar o valor da constante física fundamental de maior precisão, a constante de Rydberg.


O hidrogénio é o mais simples de todos os átomos, pois consiste num único protão à volta do qual orbita um único electrão. Dada a sua simplicidade, o átomo de hidrogénio é o melhor objecto para a investigação de questões de base da Física Quântica.

A teoria da Electrodinâmica Quântica, que descreve a interacção entre a luz e a matéria, fornece previsões sobre propriedades atómicas com elevada precisão. O conhecimento, com elevada precisão, do tamanho do protão, em especial o seu raio de carga, é o factor limitativo para a comparação entre os valores medidos em experiências de espectroscopia atómica e aquela teoria. Até ao presente, o valor aceite pela comunidade científica para o raio do protão é conhecido com uma precisão de apenas 1 %, obtido a partir de experiências de espectroscopia do átomo de hidrogénio.

A presente colaboração tinha como objectivo melhorar dez vezes a precisão do raio de carga do protão, através da implementação de uma experiência de tal modo arrojada tecnicamente. No átomo de hidrogénio, o electrão foi substituído por uma partícula semelhante mas 200 vezes mais pesada, o muão. Este facto implica que a orbita do muão se encontre 200 vezes mais próxima do protão, incrementando deste modo o efeito do tamanho do protão nos resultados de espectroscopia do hidrogénio muónico. Desde os anos 70 que investigadores do Paul Scherrer Institute, na Suíça, perseguiam o objectivo de determinar o raio do protão utilizando hidrogénio muónico. No entanto, foram necessários 40 anos para que a concepção dessa ideia pudesse vir a ser materializada, devido ao facto de terem que ser ultrapassados muitos desafios técnicos e experimentais, entre os quais o facto de o muão ser uma partícula instável e sobreviver apenas durante cerca de dois milionésimos de segundo. A concretização deste sonho foi finalmente possível com a agregação de várias equipas em que cada uma contribuiu com a sua especialização nas áreas de Física de Aceleradores, Física Atómica, Física dos Lasers e Física dos Detectores de Radiação.

 

 

A equipa portuguesa, coordenada por elementos do Centro de Instrumentação da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra, foi responsável pelo sistema de detecção de raios-x, um dos sistemas pilares da experiência e teve um papel importante no desenvolvimento do sistema de aquisição e processamento dos sinais desses detectores. No início, foi convidada a participar nesta colaboração para implementar detectores de raios-x de baixa energia, que haviam sido desenvolvidos e estudados em detalhe no Centro de Instrumentação. Estes estudos haviam sido realizados no âmbito dos trabalhos de doutoramento do aluno João Veloso, agora Professor da Universidade de Aveiro. A compacticidade, área de detecção elevada e excelente resolução em energia eram bons argumentos para a sua utilização na experiência. Contudo, a partir de 2002, a colaboração acabou por optar pela utilização de detectores de fotodíodos de avalanche já existentes no mercado e também então em estudo no nosso Centro, no âmbito dos trabalhos de doutoramento do aluno Luís Fernandes, agora Investigador da FCTUC. A maior compacticidade e simplicidade de operação dos fotodíodos de avalanche foram os argumentos decisivos para a sua escolha, mesmo sacrificando em parte a área de detecção e a resolução em energia. Desde então foram optimizados vários parâmetros experimentais de modo a obter-se um melhor desempenho deste tipo de detectores. O desempenho do sistema de detecção de raios-x foi notável, o que contribuiu significativamente para o sucesso da experiência.

Em 2002, 2003 e 2007 foram encetadas tentativas infrutíferas. Pensou-se que o sistema laser não era suficientemente rápido e potente. Concluiu-se, a posteriori, que se tinha estado a emitir impulsos de laser com a frequência errada, pois tinham por base o valor até então conhecido para o raio do protão. A descoberta deu-se no verão de 2009. Após três meses de montagem intensiva de todo o sistema experimental e três semanas de recolha de dados, 24 horas por dia, na noite de 5 de Julho de 2009 decidiu-se alargar a gama de frequências do laser e finalmente pudemos observar, de forma inequívoca, o sinal há muito procurado.

Depois de uma longa e cuidada análise dos resultados, o valor obtido para o raio do protão, 0,84184 fm (1 fm = 1 femtometro = 10-15 m), tem uma precisão dez vezes superior à anterior, mas encontra-se em clara discordância com o valor aceite até então (0,8768 fm). As razões para esta discrepância estão a ser analisadas e discutidas pela comunidade científica. Neste momento tudo se encontra em aberto, desde as medidas anteriores de elevada precisão aos cálculos teóricos complexos e até, possivelmente, à teoria fundamental mais testada, a própria Electrodinâmica Quântica. No entanto, antes de ser questionada a validade desta teoria, têm que ser verificados alguns cálculos teóricos. Uma ajuda para o esclarecimento das dúvidas levantadas poderá ser a próxima experiência, planeada para 2012, onde esta equipa de cientistas irá investigar o hélio muónico, através da mesma técnica, para determinar o seu raio de carga. Os meios técnicos e científicos já existem para o efeito.

Participaram na colaboração 32 cientistas provenientes de três continentes. A experiência foi realizada no Paul Scherrer Institute, Suiça, devido ao facto de possuir o feixe de muões mais intenso do mundo. O sistema laser foi desenvolvido pelas equipas francesa e alemã. Os detectores de raios-x foram da responsabilidade da equipa portuguesa. O sistema electrónico de controlo foi da responsabilidade da equipa suíça. Houve ainda contribuições por parte de elementos dos Estados Unidos e de Taiwan. A equipa portuguesa é composta por oito investigadores, sendo seis investigadores do Centro de Instrumentação da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra – Professor Joaquim Santos, Coordenador do CI, Doutor Luís Fernandes, Doutor José Matias (Prof. Adjunto do ISEC), Doutor João Cardoso, Mestre Fernando Amaro e Mestre Cristina Monteiro, membros do CI, e dois investigadores da Universidade de Aveiro – Professor João Veloso e Doutor Daniel Covita. Ambos os grupos portugueses são internacionalmente reconhecidos pelos seus conhecimentos e perícia na área dos detectores de radiação.

Em particular, refira-se que a equipa alemã é liderada pelo Prof. Dr. Theodor W. Hänsch, Prémio Nobel da Física em 2005.

A participação da equipa portuguesa na futura experiência de elevada relevância conta com o financiamento da Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT), Lisboa, através do projecto PTDC/ FIS/102110/2008.


 


Publicado/editado: 20/01/2011

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