UMA PARTICIPAÇÃO (QUASE) BRILHANTE NA XV OIBF

A XV Olimpíada Ibero-americana de Física decorreu na cidade do Panamá, de 26 de Setembro a 2 de Outubro de 2010. Participaram na competição 71 estudantes de 19 países do espaço ibero-americano. A liderança da delegação portuguesa, de quatro estudantes, esteve a cargo de Fernando Nogueira e José António Paixão, da Universidade de Coimbra.

Tal como na IPhO, o (mau) desempenho na prova experimental afectou seriamente os concorrentes portugueses, que não obtiveram classificações finais consentâneas com o seu brilhante desempenho na prova teórica. Apenas o aluno João Carlos Peralta Moreira (E.S. Domingos Sequeira, Leiria) conseguiu obter um bom resultado na prova experimental, sendo por isso premiado com uma medalha de ouro (obteve uma notável classificação global de 44,88/50). Os restantes alunos, Francisco Xavier Moreira Huhn (E.S. Sá da Bandeira, Santarém), Joaquim Miguel Correia Salgueiro (E.S. Alves Martins, Viseu) e Pedro José Justo Pereira (E.S. João
Gonçalves Zarco, Matosinhos), foram premiados com uma medalha de bronze. A participação portuguesa deve por isso ser considerada muito positiva, visto toda a delegação ter sido premiada, tendo aliás obtido o segundo melhor resultado de sempre na OIbF. O vencedor absoluto desta olimpíada foi um estudante brasileiro, Matheus Barros de Paula. Estes resultados merecem-nos a seguinte reflexão. Há dez anos atrás, os estudantes da equipa portuguesa tinham, tipicamente, um desempenho na prova experimental superior ao da prova teórica. Por mais de uma vez, os estudantes portugueses regressaram a Portugal sem qualquer prémio, embora o seu desempenho na prova experimental superasse o de alguns medalhados. O mau desempenho na prova teórica podia ser explicado pelo grande desnível das questões face ao currículo português do ensino secundário. O syllabus da competição internacional sempre englobou vários temas que não constam ou não são tão desenvolvidos nos programas vigentes em Portugal. Esta deficiência foi, em parte, colmatada pelos novos programas (com a
introdução de Física Moderna) e com a preparação específica dos alunos pré-seleccionados na escola Quark! da universidade de Coimbra.

O bom desempenho que então havia na prova experimental parecia ser devido a uma atitude positiva dos estudantes face ao desafio das provas. Os estudantes tinham alguma prática de laboratório, adquirida nas disciplinas de Técnicas Laboratoriais então vigentes. Os estudantes portugueses eram "desenrascados", e não se atemorizavam com uma longa prova experimental, de cinco horas, com um enunciado complexo que podia ter uma trintena de páginas! Ao contrário de estudantes de outras equipas com bom desempenho na prova teórica, os portugueses não mostravam inibição em manipular os instrumentos, e tinham alguma habilidade na montagem experimental e na recolha e tratamento dos dados.

Hoje em dia a situação é distinta. Se o desempenho global das equipas olímpicas tem vindo a melhorar, contando já com várias medalhas e menções honrosas no seu palmarés, isto tem sido conseguido à custa de uma notória melhoria na prova teórica, sem paralelo na prova experimental. Nas últimas competições, e ao contrário do que acontecia no passado, é agora frequente estudantes portugueses terem um desempenho abaixo da média na prova prática.

Parece ter havido uma mudança de atitude dos alunos face à experimentação (não são "desenrascados" e "bloqueiam" face a provas experimentais mais complexas), mas também
parece faltar prática de laboratório. Estas falhas são notórias na dificuldade em efectuar algumas operações básicas como a montagem de um circuito eléctrico, a manipulação de aparelhos de medida como multímetros, a elaboração de gráficos em papel milimétrico (a calculadora gráfica não é permitida nas provas!), etc. Inquiridos os estudantes, chegamos à conclusão que a sua exposição à experimentação em Física no ensino secundário é muito fraca.

Esta constatação é surpreendente, atendendo a que os programas contemplam um número razoável de experiências obrigatórias que, ao contrário do que acontecia no passado, envolvem todos os alunos das disciplinas de "Física e Química" dos 10° e 11° anos e de "Física" do 12° ano. A realidade porém parece ser distinta. Embora as experiências obrigatórias sejam quase sempre "abordadas", muitas vezes os alunos não chegam a realizá-las. Por vezes elas são realizadas pelo professor ou por um reduzido número de alunos da turma, à laia de demonstração. Noutros casos, por falta de material ou de outras condições, nem isso. Mesmo quando os alunos realmente efectuam as experiências, a recente tendência de preparação das experiências com base em questões pré-laboratoriais, pode pré-condicioná-los a esperar experiências "guiadas" e desloca a ênfase da experimentação para a explicação teórica, tornando quase desnecessária a realização da experiência. Acresce que o enfoque dado à experimentação é também fortemente condicionado pela preocupação de obtenção de bons resultados nos exames nacionais, provas que, embora apresentem questões relativas a actividades experimentais, não podem avaliar as competências do trabalho experimental, mas apenas a interpretação de situações mais ou menos cristalizadas.

Ora, para o desenvolvimento de competências instrumentais como a correcta manipulação de um multímetro, é preciso pôr as "mãos na massa". O exemplo da prova experimental da OIbF de 2010 é paradigmático. A prova consistia no estudo de uma célula fotovoltaica e na determinação do seu ponto de desempenho óptimo - precisamente uma das experiências obrigatórias dos programas em vigor em Portugal. Esperava-se, por isso, um melhor desempenho dos estudantes portugueses. Mas alguns tiveram dificuldade em montar correctamente o circuito eléctrico, outros queimaram os fusíveis do multímetro porque não se aperceberam que não podiam testar as pilhas com o aparelho em modo de "amperímetro"...

Com os seus inúmeros defeitos (a descontextualização face aos programas de Física e Química e a não universalidade da oferta), as extintas Técnicas Laboratoriais de Física tinham a vantagem de oferecer aos alunos um espaço (o laboratório) e um tempo próprios para a experimentação realizada, efectivamente, pelos alunos, e permitia o desenvolvimento das atitudes e competências experimentais básicas, incluindo a manipulação de instrumentos simples. Para ajudar a colmatar esta situação, a SPF propõe-se realizar em 2011, em colaboração com a escola Quark! da Universidade de Coimbra, um curso de formação de professores da pré-selecção olímpica para os ajudar a fornecer aos seus alunos uma melhor preparação prática, tendo em vista as exigências dos programas olímpicos.

Equipa portuguesas na XV OIbF, da esquerda para a direita: Fernando Nogueira (team-leader), Joaquim Salgueiro (E.S. Alves Martins, Viseu, medalha de bronze), João Moreira (E.S. Domingos Sequeira, Leiria, medalha
de ouro), Francisco Huhn (E.S. Sá da Bandeira, Santarém, medalha de bronze), Pedro Pereira (E.S. João Gonçalves Zarco, Matosinhos, medalha de bronze) e José António Paixão (team-leader).


Publicado/editado: 17/05/2011

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