Capa
Volume 48 / Fascículo 2
Novembro 2025
Conteúdo restrito a subscritores

A deteção direta das ondas gravitacionais, em 14 de setembro de 2015, assinalou o início de uma nova era na nossa exploração do Universo. Este marco, coroado com a atribuição do Prémio Nobel da Física de 2017, representou a confirmação de uma previsão centenária da relatividade geral de Einstein e a abertura de uma nova janela de observação cósmica. Tal como aconteceu antes com a descoberta dos raios X, da radioastronomia ou dos telescópios espaciais, a astronomia de ondas gravitacionais acrescenta uma perspetiva inédita à nossa compreensão do cosmos.


Este artigo apresenta uma análise abrangente da física das ondas gravitacionais, explorando tanto os fundamentos teóricos quanto os avanços experimentais mais recentes. Após uma introdução geral sobre a teoria da relatividade geral e as suas consequências maiores, discute-se a história das ondas gravitacionais, desde a sua previsão por Einstein até à sua deteção efetiva. Explica-se o que são ondas gravitacionais e como elas interagem com detetores apropriados. São analisados os principais mecanismos de emissão de radiação gravitacional, com foco em sistemas binários compactos de objetos compactos, cujas órbitas evoluem tipicamente em três fases, nomeadamente, a espiral convergente, a fusão e a fase final de relaxamento vibracional, cada uma destas fases deixando assinaturas distintas nas ondas emitidas. O artigo destaca o papel fundamental dos interferómetros gigantes LIGO, Virgo e KAGRA, verdadeiras catedrais da ciência moderna, e revisita o evento histórico GW150914, a primeira deteção direta de ondas gravitacionais, que confirmou as previsões da relatividade geral e abriu uma nova era para a astronomia. Tal conquista foi reconhecida com o Prémio Nobel da Física de 2017. São também discutidos outros eventos observados, suas fontes astrofísicas, e a possibilidade de detetar ondas gravitacionais de origem cosmológica vindas do próprio big-bang. Por fim, analisam-se projetos atuais e futuros, tanto projetos para observatórios que dão continuidade aos interferómetros, agora cada vez mais sofisticados, como projetos que propõem outros métodos, mostrando como a astronomia de ondas gravitacionais está a delinear o presente e 4o futuro da exploração do universo.



A primeira detecção de ondas gravitacionais, em 14 de Setembro de 2015, marcou o início de uma nova era na astrofísica.
Uma importante parte do Universo dinâmico, até aí invisível, tornou-se acessível. Dez anos depois, revisitamos algumas das histórias que marcaram o primeiro século dos mensageiros da gravidade, desde a sua previsão pela Relatividade Geral de Einstein, até se tornarem uma realidade observacional
 

Soluções matemáticas
A história moderna das ondas gravitacionais (OGs) começa a 25 de novembro de 1915, quando Albert Einstein apresentou, na Academia Prussiana de Ciências em Berlim [1], a versão final da sua nova teoria da gravitação: a Relatividade Geral (RG).

Nesse dia, foram reveladas as equações de campo de Einstein, que se tornariam a base desta teoria.


A primeira detecção de ondas gravitacionais, que aconteceu no dia 14 de Setembro 2015, coroou o esforço experimental de décadas para construir interferómetros capazes de captar deslocamentos sub-nucleares devidos ao efeito da passagem de ondas gravitacionais.
Desde então, centenas de detecções se acumularam nas quatro tomadas de dados que se desenrolaram até hoje, a última das quais está ainda em andamento e deverá estar concluída em Novembro deste ano. Todas as ondas gravitacionais observadas são oriundas da fusão de sistemas binários compostos de buracos negros e/ou estrela de neutrões a uma taxa observada de mais de um por semana.
Apesar de sistemas binários de estrelas serem muito comuns no Universo - estima-se que a maioria de todas as estrelas estejam num sistema binário ou a maior multiplicidade - eventos de fusão de objetos astrofísicos acontecem mais raramente que uma vez por milhão de anos por galáxia.

 


Resumo
O evento de 14 de Setembro de 2015 representou a primeira deteção direta de ondas gravitacionais, mas, importantemente, não foi a primeira evidência. Neste artigo descrevemos a primeira descoberta de ondas gravitacionais, que aconteceu no fim dos anos 70 / princípio dos anos 80, que levou à atribuição do prémio Nobel da Física a Russel Hulse e Joe Taylor em 1993. Iremos falar também da aguardada deteção direta de ondas gravitacionais de muito baixa frequência, que vai ser a terceira janela sobre o espectro das ondas gravitacionais.
Estas duas avenidas de investigação têm em comum o facto de se basearem na cronometragem de pulsares, que é especialmente (mas não exclusivamente) feita na região rádio do espectro, especialmente na década de frequências de 300 MHz a 3000 MHz.
1. O que é um pulsar?
Os pulsares são estrelas de neutrões que parecem pulsar em ondas de rádio e raios gama (e em casos mais raros em outros comprimentos de onda, como os raios X e, ainda mais raramente, em luz visível). Estas pulsações são mais aparentes que reais, e uma consequência da rotação da estrela, que emite ondas de rádio numa direção específica. Quando, na sua rotação, essa região aponta para a Terra, detetamos um aumento súbito da emissão rádio. O fenómeno tem muitas semelhanças com a aparência de um farol, cuja emissão de luz é contínua mas cuja rotação faz com que observadores distantes vejam pulsações luminosas.


O nascimento da cosmologia moderna Se quisermos compreender o papel que as ondas gravitacionais desempenham na cosmologia, temos de compreender primeirocomo é que a própria cosmologia se tornou a joia da coroa da física moderna. A cosmologia - a ciência da origem e evolução do Universo - tem raízes antigas, com filósofos e astrónomos a debaterem durante milénios a melhor forma de descrever o Universo como um todo. Mas só no século passado é que a cosmologia se transformou numa ciência quantitativa e preditiva. O ponto de viragem ocorreu com a Teoria Geral da Relatividade de Albert Einstein, em 1915, que forneceu um quadro matemático revolucionário para a gravidade e para o espaço-tempo à escala cósmica. Com a Relatividade Geral, os físicos dispunham finalmente de um modelo para descrever a estrutura em grande escala do Universo e puderam começar a fazer previsões testáveis sobre o seu comportamento.

O próprio Einstein aplicou a sua nova teoria ao Universo. Em 1917, guiado pela crença predominante de que o Universo era estático, construiu um modelo cosmológico que tentava equilibrar a gravidade e atingir um estado estacionário. Para o fazer, introduziu um termo adicional nas suas equações - a constante cosmológica - uma espécie de força repulsiva para contrariar a gravidade e manter o Universo em equilíbrio.


Sumário
É feita uma breve apresentação das estrelas de neutrões e do seu papel na determinação da equação de estado e do diagrama de fases da matéria que interage pela força forte. Após uma breve incursão histórica é discutido sucintamente como estes astros nos podem dar informação importante sobre matéria muito densa que não conseguimos produzir no laboratório. Apresentamos as observações que atualmente impõem restrições fortes, tanto dos pulsares identificados pela radiação eletromagnética que emitem na gama de frequências do rádio e dos raios-X de baixa energia, como a informação obtida da deteção das ondas gravitacionais da fusão de estrelas de neutrões. Discutimos como estas observações restringem a equação de estado, usando um modelo agnóstico que não nos dá informação sobre a composição da matéria, mas permite identificar toda a região do espaço de fase acessível, considerando restrições teóricas e observações. Mostramos que, considerando apenas matéria nuclear, a região possível para a equação de estado é apenas coberta parcialmente, ficando em aberto perceber que graus de liberdade poderão gerar a região toda, e de que modo novas observações vão restringir mais esta região. Concluímos, discutindo como métodos de aprendizagem de máquina nos poderão ajudar a identificar a equação de estado da matéria que interage pela força forte diretamente da observação de estrelas de neutrões.


Resumo
Na última década, a deteção de ondas gravitacionais emergiu como uma das mais revolucionárias ferramentas de observação do Universo. Este artigo discute como essas ondas, além de nos fornecerem informação sobre buracos negros e estrelas de neutrões, poderão também ser utilizadas para obter informação sobre a natureza da matéria escura. Em particular, abordamos o papel que a observação de buracos negros e ondas gravitacionais poderá ter na procura por bosões ultraleves.

Introdução
A maior parte da informação que recebemos no nosso dia-a--dia chega até nós sob a forma de ondas. Ouvimos porque o nosso ouvido é capaz de descodificar informação contida em ondas sonoras com frequências entre aproximadamente 20 Hz e 20 000 Hz. Vemos porque os nossos olhos são sensíveis a ondas eletromagnéticas com frequências entre os 400 Hz e os 800 THz. Durante grande parte da história da humanidade, o nosso conhecimento sobre o Universo esteve limitado à informação acessível através da observação dessas duas faixas relativamente estreitas: o som e a luz visível.


Fomos desvendando a história do universo vendo-o. A luz dos corpos astronómicos – dos planetas, das estrelas, das galáxias, … – demora algum tempo a chegar até nós porque se propaga com uma velocidade finita. Por isso, vemos estes corpos astronómicos não como são agora, mas como eram quando a luz foi emitida ou refletida. Vemos a lua de há 1,25 segundos e o sol de há 8 minutos. A Próxima Centauri, a estrela mais próxima a seguir ao Sol, parece-nos 4 anos mais nova e a imagem de Andrómeda, uma das galáxias mais próximas, já é de há mais de 2,5 milhões de anos. Quando olhamos para o céu, vemos então o passado do universo e vemo-lo tão mais novo quanto para mais longe apontarmos os nossos telescópios. Foi assim que fomos descobrindo como o universo era no passado e assim aprendemos quase tudo o que sabemos sobre como evoluiu. Mas o início do universo está fora do alcance dos nossos olhos e telescópios e, por isso, continuamos sem saber exatamente como tudo começou.


Quatro interações
Quando olhamos para o Universo atual e para as grandes estruturas que o constituem, como por exemplo planetas, estrelas, sistemas solares ou galáxias, é com naturalidade que aceitamos a existência de uma força que governa toda a sua dinâmica: a gravidade.

Desde tenra idade que nos habituamos a conviver com esta interação e a experienciar os seus efeitos, como a queda no recreio (e as marcas que nos vai deixando na pele, algumas para a vida), até ao lançamento de dardos num bar, numa noite animada entre amigos. Contudo, a gravidade não é a única força que tem impacto no nosso dia a dia. É difícil imaginar a viabilidade da civilização moderna sem a presença de eletricidade e magnetismo nas suas mais diversas utilidades. O simples ato de podermos observar o Universo, tanto a olho nu como com instrumentos óticos, e constatarmos a presença de corpos celestes, só é possível devido à existência da interação eletromagnética, que é, como sabemos, uma descrição unificada da eletricidade e do magnetismo. Isto deve-se não só à tecnologia aplicada em toda a instrumentação moderna para este efeito, mas, acima de tudo, devido à existência de uma partícula mensageira da força eletromagnética, o fotão, que, ao longo dos tempos, nos tem trazido informação sobre os pontos mais remotos do Universo.


Este artigo aborda a importância das ondas gravitacionais enquanto ferramentas para testar possíveis extensões da teoria da Relatividade Geral [1-11]. No contexto atual da física teórica e experimental, o interesse por teorias modificadas de gravitação é cada vez maior, procurando superar as limitações da Relatividade Geral em diferentes regimes físicos. Essas teorias alternativas têm como objetivo explicar fenómenos ainda não totalmente compreendidos, como a expansão acelerada do universo, o comportamento anómalo da rotação de galáxias e a reconciliação da gravidade com a mecânica quântica numa teoria unificada. Em muitos casos, elas propõem que a gravidade possa comportar-se de maneira diferente daquela prevista por Einstein quando se consideram grandes escalas, energias elevadas ou campos extremamente intensos — exatamente os cenários acessíveis pela astronomia de ondas gravitacionais.
1 – Introdução
Após 110 anos desde a sua formulação por Albert Einstein, a Relatividade Geral (RG) perdura, sendo ainda hoje a teoria de que dispomos que melhor descreve a gravitação. E isto não se deve à falta de escrutínio. Longe
disso! Ela foi posta à prova pelo próprio Einstein logo na terceira das quatro apresentações em que anunciou a teoria à Academia de Ciências da Prússia, durante o mês de Novembro de 1915.


As equações de Einstein da relatividade geral constituem um dos conjuntos mais complexos de equações em toda a física e, salvo em cenários idealizados, só podem ser resolvidas através de métodos numéricos em sistemas de computação de alto desempenho. A geração dessas soluções é uma verdadeira Odisseia por si só, envolvendo aventuras nos domínios da teoria matemática, da interpretação física e dos desafios computacionais. Estes esforços culminaram em meados dos anos 2000, quando o problema dos dois corpos na relatividade geral foi finalmente resolvido. E não foi cedo demais, pois esses resultados — e as investigações subsequentes — vieram a desempenhar um papel fundamental na descoberta das ondas gravitacionais pelo LIGO em 2015, que viria a ser distinguida com o Prémio Nobel.

1 – Introdução
Quando Albert Einstein publicou a sua teoria da relatividade geral (RG) em 1915 [1], não se limitou a apresentar uma descrição teórica mais refinada e precisa dos fenómenos gravitacionais, substituindo a gravidade de Isaac Newton, que reinava há séculos. Fê-lo, sem dúvida, e conseguiu resolver enigmas astrofísicos como
a precessão do periélio de Mercúrio, o planeta mais interior do sistema solar. Mas a sua teoria pode ser considerada verdadeiramente revolucionária na forma como alterou a nossa perceção da própria estrutura do espaço e do tempo. Antes da relatividade, as teorias físicas funcionavam como um guião para uma peça de teatro a desenrolar-se num palco.


A observação de ondas gravitacionais pela rede de detectores LIGO-Virgo-KAGRA abriu uma nova janela para o estudo do Universo. Propriedades fundamentais de buracos negros e estrelas de neutrões são agora rotineiramente extraídas a partir da análise das ondas gravitacionais emitidas na coalescência e fusão de binários compactos. A aprendizagem automática tem vindo a assumir um papel cada vez mais relevante neste novo domínio, desde estratégias de deteção até à classificação de fontes e inferência astrofísica. Este artigo apresenta uma panorâmica do impacto significativo que a Inteligência Artificial e a Aprendizagem Automática já estão a ter na Astronomia de Ondas Gravitacionais. O nosso foco será o sistema astrofísico das coalescências de binários compactos, a única fonte de ondas gravitacionais detetada até ao momento.


Há dez anos, a humanidade alcançou a primeira observação direta de ondas gravitacionais. Partilho algumas recordações pessoais dessa primeira deteção. Apresento também um resumo do que aprendemos desde então e algumas especulações sobre o que poderemos vir a aprender no futuro.

Há datas que permanecem na nossa memória, para o bem ou para o mal. Todos os adultos que viram as Torres Gémeas a desmoronarem-se a 11 de setembro de 2001 lembram-se de onde estavam nesse dia. Eu estava
numa sala sobrelotada de doutorandos no Departamento de Física em Roma, a trabalhar num problema relacionado com a teoria de perturbações de buracos negros. Tinha visitado os EUA pela primeira vez em novembro do ano anterior. Como muitos turistas, decidi visitar o último andar das Torres Gémeas (“the top of the world”) para admirar a vista. Nesse dia abri as notícias e vi os aviões a embater nas torres, depois a ligação à internet foi abaixo —demasiado tráfego. Pequenos grupos juntaram-se à porta do edifício do departamento de física para ouvir as notícias devastadoras através do rádio.


 

Chegaram ao fim as 55.ª Olimpíadas Internacionais de Física (IPhO), que decorreram de 18 a 24 de julho em Paris.
Esta competição, onde jovens estudantes pré-universitários demonstram os seus conhecimentos numa ampla gama de tópicos de Física, contou este ano com a participação de 406 estudantes finalistas do ensino secundário oriundos de 94 países.

A delegação portuguesa contou com a participação dos alunos Gustavo de Sousa (Colégio de Nossa Senhora da Bonança, Vila Nova de Gaia), João Pedro Neves (ES Lima-de-Faria, Cantanhede), Pedro Mazêda (ES Alves Martins, Viseu), Ricardo Prata (ES Alves Martins, Viseu) e Tiago de Oliveira (EBS de Ourém), tendo conquistado três menções honrosas pelas prestações do Gustavo, Ricardo e Tiago nas longas e difíceis provas experimental e teórica. O aluno Hyeokjoon  Lee, proveniente da Coreia do Sul, foi o vencedor absoluto da prova, tendo obtido a melhor classificação de entre os participantes.
 


No passado dia 8 de setembro, no Instituto de Educação - Alameda da Universidade, em Lisboa, decorreu a cerimónia de entrega dos prémios relativos à 16.ª edição do projeto MEDEA, uma iniciativa conjunta da Sociedade Portuguesa de Física e da REN – Redes Energéticas Nacionais, destinada a promover o conhecimento da Física e o estudo dos campos eletromagnéticos (https://medea.spf.pt/). Em seguida, apresentamos as equipas vencedoras e os respetivos depoimentos relativos à participação no projeto MEDEA.
Muitos parabéns a todos.



© 2019 Sociedade Portuguesa de Física