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Volume 47 / Fascículo 1
Abril 2024
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Manuel José Nogueira Valadares (1904-1982) foi, no século XX, um dos mais influentes investigadores científicos portugueses, talvez, sem exagero, o grande pioneiro da investigação na física moderna em Portugal.
No dia 26 de Fevereiro de 2024, cumpriu-se o centésimo vigésimo aniversário do seu nascimento. 
Foi também em Abril de 1974 que a Sociedade Portuguesa de Química e Física (SPQF) passou a designar-se por Sociedade Portuguesa de Química (SPQ) na medida em que, nessa mesma data, deu origem à Sociedade Portuguesa de Física (SPF) que cumpre este ano o seu primeiro jubileu. Neste número especial da Gazeta de Física, pretende-se recordar estas efemérides, assinalando com especial relevância a vida e obra de um físico português contemporâneo — primeiro sócio honorário da SPF — que deixou uma marca indelével na investigação científica nacional.


A Gazeta de Física e os autores de uma grande parte dos textos aqui publicados expressam colectivamente o agradecimento às instituições detentoras dos arquivos contendo a documentação e imagens utilizadas (referenciadas nos artigos): Arquivo da Câmara Municipal de Lisboa, Arquivo da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, ...


Em 24 de fevereiro de 1943, o Instituto Francês de Portugal promoveu uma sessão solene comemorativa do primeiro aniversário da morte de Jean Perrin (1870-1942), físico francês que havia sido galardoado com o Prémio Nobel da Física em 1926 pelos seus trabalhos “sobre a natureza descontínua da matéria” [1].
No início do séc. XX, a existência dos átomos já era largamente aceite pelos químicos, mas entre os físicos ainda havia alguns opositores à descontinuidade da matéria. Os trabalhos de Jean Perrin estabeleceram, de forma definitiva, a realidade da existência dos átomos e moléculas com resultados experimentais que testaram e verificaram a teoria de Einstein sobre o movimento browniano, assente na teoria atómica. As experiências que realizou permitiram a determinação do número de Avogadro por vários métodos com resultados consistentes, e assim, indiretamente “pesar” os átomos.


O Instituto Português de Oncologia (IPO) foi fundado em 28 de dezembro de 1923, sob a designação de Instituto Português para o Estudo do Cancro (IPEC). Quatro anos após a sua criação, em dezembro de 1927, inaugurou-se o primeiro edifício do IPO, conhecido como Pavilhão A, situado no atual terreno em Palhavã, adquirido com fundos disponibilizados pelo Instituto de Seguros Sociais Obrigatórios à Casa do Cadaval. Os primeiros serviços instalados nesse pavilhão incluíam «4 cabines de Roentgenterapia, uma cabine de Radiodiagnóstico, laboratórios e consulta, ... onde além do material de raios X ficaram existindo 1500 mg de Rádio Elemento» [1, p.329].


Em 1896, Henry Becquerel descobriu que vários minerais de urânio emitiam espontaneamente radiação. Um ano antes, em Wurtzburg, Roentgen tinha descoberto os raios X. A física atómica e a física nuclear estavam a nascer. E, a 2 de junho 1896, em Ciechanowiec, também nasceu o físico Salomon Rosenblum [1].

Ciechanowiec é uma pequena cidade do leste da Polónia a cerca de 130 km de Varsóvia. Na altura esta região pertencia ao império russo. A cidadezinha, atravessada pelo rio Nurzek, contava com poucos milhares de habitantes: polacos, russos e a maioria judeus. O pai de Salomom era um comerciante judeu abastado. Depois do jovem aprender as primeiras letras, a família decide enviá-lo para a Alemanha para continuar os seus estudos. Contudo, a 28 de junho de 1914 o assassinato, em Sarajevo, do arquiduque Frank Ferdinand lança a Europa na convulsão da primeira guerra mundial.


Em Portugal, a primeira associação dos físicos inicia-se na Sociedade Portuguesa de Química (SPQ)[1]. Esta Sociedade foi criada em  28 de dezembro de 1911, no Porto (Sessão fundadora in RCPA, Série I, Anno 8, n.º 1, 1912) e desde o seu início integrou no seu património a Revista de Chímica Pura e Aplicada (RCPA) criada em 1905. A criação da SPQ deveu-se ao empenho de um pequeno grupo de cientistas, na sua maioria químicos, e também outros praticantes da química mas oriundos de outras profissões (farmacêuticos, médicos, agrónomos e militares), o mais ilustre dos quais terá sido o Dr. Ferreira da Silva (1853-1923) que foi, também, o primeiro presidente da Sociedade. A SPQ organizava-se em três núcleos: Porto, Coimbra e Lisboa.

A atividade dos físicos que integravam a SPQ foi reconhecida com a criação da Secção de Física em 1917 e a publicação do seu Regulamento (Acta Sessão 19 de maio de 1917 do Núcleo do Porto in RCPA, Série II, Anno 2, nº 10-12).


Manuel Valadares iniciou o estudo de métodos radiográficos para a análise de pinturas no Instituto Mainini do Museu do Louvre em 1931, enquanto realizava o seu doutoramento em Paris sob a orientação de Marie Curie [1]. Apesar de o museu do Louvre ter adquirido o seu primeiro equipamento de radiografia em 1926, apenas em 1931 se estabeleceu oficialmente um laboratório científico, com o apoio de Carlos Mainini (1879-1943) e de Fernando Perez (1863-1935) [2]. Estes dois médicos argentinos foram os primeiros a integrar tecnologia usada na medicina no estudo sistemático de obras de arte [3]. Já depois de ter concluído o seu doutoramento em 1933, Manuel Valadares chegou a examinar obras célebres como a Gioconda e os Velasquez do Louvre, sob orientação de Fernando Pérez, diretor do Instituto Mainini [1].



Introdução

Começamos com um episódio curioso, descrito por Rómulo de Carvalho (1906-1997) (Figura 1) nas suas Memórias [1], transmitindo a ideia de abertura de espírito (que estará, aliás, presente no nosso texto):

“Recordo-me, era eu homem novo, quando uma tarde entrei num elétrico e nele encontrei o professor Manuel Valadares [Figura 2], um homem muito estimável e de grande merecimento, mestre de Física que foi discípulo da Madame Curie, demitido aqui do seu cargo da Faculdade de Ciências por ser contrário à política de Salazar e que, após isso, foi viver para Paris onde alcançou relevo entre a comunidade científica. Estranhei ver o Valadares no carro elétrico com a cabeça descoberta, sem chapéu, numa altura em que todos os homens usavam essa cobertura. Olhei-o com estranheza, admirei-o, e pensei que era melhor andar assim, descarapuçado. Ao chegar a casa fui arrumar o meu chapéu no guarda-vestidos, e nunca mais usei nenhum”. [2]


Nado e criado na zona da Lapa em Lisboa, segundo filho de um casal da pequena burguesia comercial lisboeta; o pai, Manuel António Alves Valladares (1874-1918) (comerciante), e a mãe, Maria da Conceição Nogueira Valladares (1876-1949) (doméstica), tiveram o seu primeiro filho António Joaquim Nogueira Valladares (1902-1929) e passados um ano e dois meses nasceu Manuel José Nogueira Valadares (1904-1982).
Para os jovens Valladares impôs-se a patronímia familiar: o primogénito recebeu o nome do avô materno, enquanto que o segundo herda o nome do avô paterno.

Seguindo os passos do irmão mais velho, acompanhando-o nas brincadeiras, o percurso escolar e académico na Faculdade de Manuel Valadares coincide com o período de vigência da primeira República. Entrou no Liceu Pedro Nunes no ano lectivo 1913/14 e terminou em 1920/21, o seu aproveitamento foi na generalidade Bom, destacando-se como disciplinas do curso geral com melhor classificação a Matemática e as Ciências Físicas e Naturais. Todo o curso dos seus estudos aconteceu sem qualquer reprovação. Talvez o facto que mais tenha perturbado a sua vida adolescente foi a perda do pai, ceifado pela pneumónica, na passagem do quarto para o quinto ano do liceu.

 



Introdução

Como recordo em [1], neste mesmo número, conheci pessoalmente o casal Valadares no pós 25 de Abril de 1974 como amigos de longa data da minha família.
Posteriormente, como matemática, interessei-me pelo período 1935-1947 que foi sem dúvida um período único de extraordinária atividade e produção na área das ciências exatas (física e matemática) em Portugal com o lançamento de dois programas, financiados pelo Instituto para a Alta Cultura (IAC), para a recuperação do desfasamento português que se fazia sentir a nível universitário nessas áreas.
O período 1935-1947 foi também um período de extraordinária atividade no campo das artes plásticas e arquitetura, dominado por grandes projetos governamentais.


Terminara o ano letivo de 1933/34 e a aluna de Ciências Biológicas da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, Maria de Lourdes Ramos Moniz da Costa, ficara aprovada na cadeira de Física FQN. [1] Teria sido seu professor Manuel Valadares, recém-chegado a Portugal, após a realização do seu doutoramento em Paris?

Maria de Lourdes tinha iniciado o curso no ano letivo anterior, aos 28 anos, depois de ter regressado a Portugal em 1931, vinda de Berlim. Até essa época, a vida de Maria, que nasceu em Angra do Heroísmo em 1904, fora dedicada às Artes. Após o liceu e mais três anos de formação numa escola técnica, Maria foi professora de Desenho Geral nessa mesma escola, nos Açores. Aí deixou, em jornais locais terceirenses, várias caricaturas, que revelam o seu fino sentido de humor e realizou pequenas esculturas de figura típicas angrenses. [2,3]


Apesar do desconhecimento do percurso científico, nas suas relações com a sociedade, de muitas personalidades que em Portugal praticaram as ciências, a verdade é que este não é o caso relativamente ao físico Manuel Valadares (1904-1982). Vários trabalhos já foram publicados principalmente no que respeita ao período em que, conjuntamente com Cirilo Soares, desenvolveu uma agenda de investigação científica consistente no Laboratório de Física da Faculdade de Ciências de Lisboa, entre 1929 e 1947, [1-6] até à sua expulsão do mundo académico na purga política de 1947, a que se seguiu o exílio em França. Não só já foi esclarecido que a sua expulsão não se ficou a dever a razões estritamente políticas, mas também que resultou de resistências no seio da Faculdade de Ciências em aceitar a investigação científica porque pugnavam vários jovens professores, entre os quais se encontrava Valadares, como parte integrante da realidade universitária [2, 5, 7]. Também já se começaram a delinear os contornos das suas relações com o Laboratório de Física no período de exílio. Nessa altura, fruto de razões diversas, foi possível continuar o seu programa de investigação científica num ambiente em que predominavam mulheres investigadoras, lideradas primeiro por Lídia Salgueiro e depois pelo casal Salgueiro-Gomes Ferreira, só comparável aos casos excepcionais do Laboratório de Marie Curie em Paris, em que Valadares se tinha formado, e do Laboratório de Investigação em Radioactividade de Viena. Já foram adiantadas algumas justificações para esta ciência no feminino praticada no Laboratório de Física, desde a sua criação até pelo menos ao início dos anos setenta do século XX e às suas relações com o legado de Valadares. [2, 6, 8]


O desenvolvimento socioeconómico do país nos primeiros decénios do século XX, finais da monarquia, república e a grande guerra, seguindo-se o Estado Novo, não favorecia a investigação científica, em particular a investigação fundamental. Houve alguns progressos na investigação aplicada, especialmente na Medicina, nas Ciências Naturais e na Química, que não foram percetíveis na Física. Os Gabinetes de Física das nossas Escolas Superiores eram meros locais de demonstração e, por vezes, de experimentação apenas como complemento do ensino teórico aí ministrado.
Mas como em todos os tempos na História de Portugal, houve casos excecionais, e alguns cientistas portugueses, geralmente depois de receberem parte de sua educação no exterior, regressaram ao país interessados em criar e desenvolver centros de inovação e investigação científica. A Física foi um dos campos escolhidos por alguns desses verdadeiros pioneiros. Há muito que a França já era, para os portugueses, o principal centro de atração cultural e, na primeira metade do século XX, Paris era um dos centros florescentes da nova física. Ali, o laboratório Curie rapidamente atraiu a atenção de quem pretendia integrar-se na principal corrente da ciência moderna. Entre os muitos estrangeiros recebidos por Madame Curie (1867-1934) no seu instituto havia portugueses, alguns dos quais regressariam a Portugal para prosseguirem trabalhos de investigação.


A esmagadora maioria dos museus em Portugal foram construídos sobre edifícios já existentes, sobretudo antigos conventos, hospitais, palácios e casas de família. São muito menos frequentes os casos em que o edifício do museu foi construído de raiz, como por exemplo o Museu Gulbenkian, o novo Museu Nacional dos Coches e o MAAT, o Museu Marítimo de ílhavo ou o Museu do Côa. Esta situação não é, evidentemente, exclusivamente portuguesa. Basta pensar naquele que é o museu mais conhecido do mundo, o Museu do Louvre, que foi inicialmente palácio real e, em 1793, reimaginado como o primeiro grande museu da nova república francesa.
O que separa os primeiros dos segundos, para além das dificuldades de adaptação da circulação, logística e segurança, é que os primeiros têm uma ‘pré-história’, frequentemente riquíssima e largamente ignorada no presente. Por vezes, essa ‘pré-história’ salta-nos aos olhos, clamando por ser contada. Quantas vezes não estamos a visitar um museu de arte ou de ciência e vemos uma lareira histórica, um pedaço de chaminé, ou umas escadas em caracol que não vão dar a lado nenhum? Ficamos intrigados e curiosos, mas não encontramos respostas.


Com o título “Elementos de Física Atómica”, este livro foi publicado pela Livraria Sá da Costa em 1947, ano em que o autor, Manuel Valadares (1904-1982) foi expulso da Universidade de Lisboa e se viu obrigado a exilar em Paris. Esta mesma livraria tinha já anteriormente editado dois livros inseridos na coleção “Publicações do Núcleo de Matemática, Física e Química”, intitulados “Cálculo Vetorial” e “Teoria da Relatividade Restrita” cujos autores eram, respetivamente, Bento de Jesus Caraça (1901-1948) e Ruy Luís Gomes (1905-1984). Nesta mesma coleção estava prevista a publicação, entre outros, de um livro de Manuel Valadares sobre o efeito fotoelétrico, que não chegou a ser publicado.

O Núcleo de Matemática, Física e Química, criado em 1936 e extinto em 1939, foi fundado por um conjunto de físicos, matemáticos e químicos, todos ex-bolseiros da Junta de Educação Nacional/Instituto para a Alta Cultura (JEN/IAC) no estrangeiro — Amorim Ferreira (1895-1974), Manuel Valadares, António da Silveira (1904-1985), Arnaldo Peres de Carvalho (1904-1989), António Aniceto Monteiro (1907-1980), Aurélio Marques da Silva (1905-1965), Manuel Telles Antunes (1905-1965), Zaluar Nunes (1907-1967) — e agregou também a colaboração de outros professores que não se reviam no status quo universitário vigente, como era o caso dos matemáticos Ruy Luís Gomes (1905-1984) e Bento de Jesus Caraça (1901-1948).


A história das instituições tem atrás de si o desempenho de pessoas. Assim, ela não pode ser conhecida sem se aprofundar as motivações daqueles que nelas trabalham. É o que está patente neste estudo em que se aborda o nascimento, consolidação e decadência da escola de investigação em Física que se estabeleceu no Laboratório de Física da Universidade de Lisboa (LFUL), nas áreas da espectrografia de raios X, radioatividade e física nuclear. 
Deve-se destacar o papel do diretor, organizador e dinamizador, Armando Cyrillo Soares (1883-1950); dos bolseiros da JEN/IAC doutorados no estrangeiro, talvez o investigador mais reputado, Manuel Valadares (1904-1982) e também Aurélio Marques da Silva (1905-1965) e de um aluno dedicado, futuro bolseiro, Armando Gibert (1914-1985), fundador da Gazeta de Física.

Apesar de Cyrillo Soares não ser um investigador, criou um centro de investigação, definiu o seu programa, apoiou os pedidos de bolsa dos seus assistentes (um dos quais Valadares, que havia sido seu aluno no Liceu de Pedro Nunes) e criou a revista Portugaliae Physica, obtendo reconhecimento internacional.


O vídeo foi produzido pela Sociedade Portuguesa de Física, dá a conhecer, de forma breve, a vida de um casal de cientistas portugueses do século XX. Ela, Maria Ramos, uma mulher artista, escultora, que depois se dedicou à Biologia e trabalhou em Genética. Ele, Manuel Valadares, mais conhecido, um físico notável, que trabalhou com Madame Curie e com o casal Joliot-Curie e, em Portugal, desenvolveu investigação e fez escola na Física atómica e nuclear.
Este vídeo foi pensado para ser visualizado nas escolas do ensino básico, no 9.º ano de escolaridade e no ensino secundário na área de Ciências e Tecnologias, com o objetivo de divulgar o importante, intenso e fascinante percurso de vida deste casal. Os nossos jovens devem conhecer como o gosto pelo conhecimento, artístico e científico neste caso, levou este casal a prosseguir, muitas vezes com imensas dificuldades, os seus objetivos, ultrapassando constrangimentos de vária ordem inerentes à época em que viveram: económicos, sociais e políticos. E este pode ser um exemplo para fomentar, não só o gosto pela ciência, mas também, quaisquer que sejam as áreas de interesse dos estudantes, mostrar que o entusiasmo e perseverança são características fundamentais para não se desistir dos objetivos a que nos propomos, mesmo sabendo que, nem sempre, o caminho é fácil.


Paris, Primavera de 1981
A recordação do nosso encontro com o Professor Valadares continua bem precisa e nunca saiu da nossa memória. Foi numa tarde de sol, embora ligeiramente encoberto, que nos reunimos com ele num daqueles cafés tipicamente parisienses, quase em frente do Jardim do Luxemburgo, no cruzamento da Rue Soufflot (que vai
dar ao Panthéon) com o Boulevard Saint-Michel, em pleno Quartier Latin. Mais de quarenta anos depois, esse café desapareceu e foi entretanto substituído por um McDonald's (sinal dos tempos...). O encontro tinha sido marcado a pedido da Professora Lídia Salgueiro, da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa. Tínhamos vindo passar as férias da Páscoa a Portugal e a Professora havia solicitado que lhe levássemos um envelope com documentos, presumivelmente importantes e confidenciais.

Éramos ambos estudantes de doutoramento em Paris. Um na Universidade Pierre et Marie Curie (Paris-VI), o outro na Universidade René Descartes (Paris-V), respetivamente Maria Laura Palma e José Borges Palma, a primeira a especializar-se precisamente em Física Molecular Teórica. Tínhamos acertado o encontro por telefone e foi o Professor Valadares que havia sugerido aquele café.


Conheci pessoalmente o casal Manuel Valadares (1904-1982, físico) e Maria Valadares (1904- 1985, escultora e bióloga) das primeiras vezes que vieram a Portugal depois do 25 de Abril, 1975 ou 1976, em dois jantares em casa da minha família.
Para mim, que estava nos primeiros anos da Universidade, era excitante poder conhecer pessoalmente um dos cientistas expulsos da universidade pelo regime de Salazar, que tivera depois uma vida científica de sucesso fora do país.
O caso dos físicos e matemáticos expulsos era-me próximo porque a minha mãe, Maria Augusta Perez Fernandez (1921-2009, física no Instituto Português de Oncologia), se licenciara na década de 1940 na Faculdade de Ciências de Lisboa, primeiro em Matemática e depois em Física. Fora aluna, e tinha uma enorme admiração pelo trabalho e entusiasmo dos físicos Manuel Valadares e Aurélio Marques da Silva, professores da Faculdade expulsos em 1947. Ainda aluna, ou já recém-licenciada, integrou as primeiras equipas responsáveis pela Gazeta de Física.


Sou o filho mais novo dos físicos Lídia Salgueiro (1917-2009) e José Gomes Ferreira (1923-1992). Os meus pais iniciaram a sua investigação em física no Laboratório de Física da Faculdade de Ciências sob coordenação de Manuel Valadares, sendo este o supervisor da tese de doutoramento da minha mãe, que defendeu no ano de 1945. A colaboração na investigação entre os três perdurou muito para além da expulsão de Valadares da Universidade
de Lisboa em 1947, mantendo-se uma troca epistolar entre amigos, muito em especial sobre os trabalhos de investigação em curso, conselhos sobre diversos assuntos relacionados com a vida do Laboratório de Física e, em particular sobre filatelia, dado que a minha mãe e Valadares partilhavam uma paixão sobre selos a nível mundial que se relacionassem com Física.


Congresso de Reacções Nucleares
Dois Físicos portugueses, de diferentes gerações, encontram--se. Não se conheciam pessoalmente, mas o Dr. Manuel Valadares seguira a ida do meu Marido para a Universidade de Manchester. Sob a orientação de Léon Rosenfeld, colaborador dilecto de Niels Bohr, obteria em Maio de 1955 o grau de Ph. D. em Física Teórica. O contacto com Rosenfeld foi feito pelo Dr. Armando Gibert que em Lisboa se dedicara ao ensino e investigação sob a orientação do Dr. Manuel Valadares. E o interesse deste cientista e exilado português pelo desenvolvimento da Física em Portugal não se limitava a Lisboa!
Do encontro em Amsterdam recordo com particular nitidez a serenidade com que o Dr. Manuel Valadares se referia àqueles que tinham tido intervenção no seu afastamento e a expressão de apreço pelos que continuavam a tentar não deixar morrer a actividade científica na sua Pátria.


O convite que recebi do professor Augusto dos Santos Fitas, para abordar aspectos do meu documentário sobre o professor Manuel Valadares, colocou-me um desafio em alguma medida parecido com aquele que me foi posto quando a Diana Andringa, então responsável pelo Departamento de Programas de História e Sociedade da RTP, me convidou para fazer aquele trabalho: eu era quase tão ignorante em Física como acerca da personalidade que estava incumbido de tratar, mais dado eu à actividade da rádio-televisão do que à radio-actividade. Por outras palavras: no assunto que aqui me traz, sou mais espectador do que actor.
Jogavam a meu favor, porém, alguns instrumentos que tomo a ousadia de recomendar a quem me lê: a curiosidade, o atrevimento e o interesse pessoal. O interesse, no meu caso, era profissional; o atrevimento era a condição para avançar; a curiosidade era uma característica de personalidade que não envelheceu em mim e que, julgo eu, me aproxima dos cientistas. E das crianças.


A Direção da Escola Secundária Pedro Nunes abraçou a ideia dos seus professores de Física e Química, Maria Helena Melo e Tiago Leite, em fazer uma homenagem a Manuel Valadares, ex-aluno e ex-docente da instituição.

Helena Melo desafiou nas suas aulas de física, os alunos do 12.º ano turma C para realizar uma exposição evocativa da vida e obra de Valadares. A eles juntaram-se Tiago Leite, coordenador do Clube Ciência Viva na Escola, Pedra Filosofal, outros docentes e funcionários da escola.



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